quarta-feira, 26 de março de 2008

A nível de artê (sic)

E tá aí uma discussão discutida por tantos há tanto tempo: o que é arte? Os mais prosaicos vão torcer os narizes e soltar categoricamente um foda-se. Os prolixos vão deixar os queixos caírem e de queixos caídos, com aquela voz embargada, sabe?, procurarão definir a coisa, começando por questões simples e limítrofes – moda é arte?, publicidade é arte?, coco é arte? Rola um quebra-pau e no fim sai todo mundo fazendo biquinho sem definir nada. Por sugestão um querido amigo, começo por um meio termo: tem importância?


Grosso modo, os argumentos que eu consigo lembrar: é uma questão pré-moderna, irrelevante, que cabe mais num contexto de mecenato, ou de status, e hoje você enfrenta uma situação onde qualquer coisa pode ser chamada de arte sem incorrer em grandes absurdos – as vanguardas e tal. Mas parece que não se vê isso em larga escala, a ponto do garoto-personagem-da-malhação poder bater no peito e dizer com orgulho: "sou um artista". Então a vulgata mia fino, silva com os olhos cheios de admiração frente à figura mitológica parada ali. Alguém se importa, e aí paira a sombra da minha preocupação em escrever sobre a coisa, porque o fato gera a importância, entende? As coisas ficam de cabeça pra baixo e de repente é isso, o cara é um artista (pior, é mesmo), e passa a ter o aval pra dizer bobagem com cara de sabe-tudo, fazer passeata de paz, salvar golfinhos, opinar na transposição do São Francisco e o escambau. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas é assim. Pensando bem, ando chutando cavalo morto.


Se tudo é arte, nada é arte. [Sartre chupa um limão nas minhas costas]


É engraçado, mas se você inverter a questão, a resposta continua a mesma (tanto para prosaicos como prolixos). Existe aí uma pá de questões que levadas ao limite chegam na indefinição total. Acho que é justamente por elas serem um bocadinho intuitivas, ou seja: você vai saber quando chegar a hora, meu filho. Ah, mas é patologicamente necessário estudar as coisas, dissecá-las só um pouquinho mais. Vale dizer que a gente atravessa aqui vários conceitos como bom gosto, senso estético, sensibilidade, pelo menos um pouco de erudição e umas boas discussões – só pra atualizar os parâmetros. Fiquei impressionado, dia desses, com o desenho de uma garota da terceira série. Era um concurso pras escolas públicas de Florianópolis do ensino fundamental, e a rapariga desenhou a Figueira com muita habilidade, combinando cores e enchendo de detalhes que meus olhos míopes nunca tinham alcançado. Uma artista mirim das boas. Ficou em segundo lugar porque uma tia gorda achou que um desenho da ponte era muito mais representativo a nível de (sic) cultura manézinha. Tudo muito torto, com umas montanhas que nem existem e umas cores "oh, gosh!", naïve no limite do ridículo. Era arte, e não era nada bonito. Eu daria o primeiro lugar pra figueira.

3 comentários:

Dona Paula. disse...

eis: não acho que tudo possa ser arte nem que todos possam ser chamados de artistas. hoje em dia tem essa tal arte contemporânea, arte conceitual e piriri, mas nem por isso qualquer coisa é arte. quero dizer, você quer chamar sua tela com tinta, um pano amassado e orégano por cima de obra de arte, botar na parede de sua casa e ser feliz. bem, que seja! mas não me peça pra acreditar que isso tenha um pingo de embasamento.
tudo isso pra dizer que não é qualquer copo de café queimado com ponta de cigarro que será arte. quer que seja? então me diga o porquê!

Cesar LG disse...

Não consigo relevar a intenção e a técnica. Que se faça coisa feia e que a proclamem como arte, até posso aceitar. Recuso, entretanto, que acidentes estéticos ou argumentativos recebam o mérito artístico. A mimese é válida sim e não deveria ter perdido seu posto. Viva a figueira!

Mayhara disse...

eu fico com o desenho sem fundamento.
hahahaha.

não vou ser extremista, mas já sendo, repassar conteúdo e criticar o que já existe, para mim não existe nada de novo.

e o que a menina fez com a figueira? copiou a figueira.

acho que a arte está ligada a criação, não ao repasse de coisas que já existam.

lógico, isso é extremismo, e tem a suas exceções.