sexta-feira, 28 de março de 2008

a cidade que não deveria estar no mapa

A quem visitar Porto Alegre pela primeira vez, recomendo cautela. A cidade passa por um momento de estagnação que beira o minoramento, causando, portanto, um desordenamento ainda mais prejudicial do que o crescimento desenfreado. Enquanto nesse há, ao menos, crescimento, naquele, apenas aborrecimento. Creio que o ethos do nativo seja o principal motivo do fracasso.

Recomendo, ao turista desavisado, que evite caminhar pelo centro da cidade, visto que poderá e provavelmente será vitimado pela bárbara malta de pequenos e ligeiros ladrões. No centro, o único interesse legítimo de um civilizado é antropológico ou policial. A selvageria a que se submetem as pessoas só é explicada pela falta de planejamento e de seguidas tentativas de remendo.

Se recomendo que se evite caminhar pelas ruas, também recomendo que se use apenas veículos particulares, preferencialmente blindados. As razões para tal são as filas para os ônibus, o deficiente sistema de transporte público, a imundícia urbana, as abruptas guinadas dos motoristas e as comuns extorsões nos táxis. Como se não bastasse, as vias públicas são insuficientes, mal planejadas, mal executadas e mal mantidas. É preciso dedicar atenção preventiva especialmente à mendicante e ameaçadora horda que se multiplica nos entrocamentos viários e que nos ameaça quando não colaboramos monetariamente, xinga quando o fazemos modicamente e assalta quando o fazemos generosamente.

Se ainda assim, insistir em ficar, digo que evite a chateação dos teatros e centros culturais, onde, há mais de uma década, se repetem religiosamente as mesmas ladainhas provincianas com pouquíssimas e raras variações oriundas unicamente da incapacidade performática dos artistas. Recomendo, ao turista, que evite ligar a televisão para não expor sua preciosa audição à debilitante programação local que comprova e reforça os hábitos e convicções regionalistas, nativistas e beldroegas de que não há nada melhor fora daqui.

Sugiro por fim que traga um livro, providencie um seguro abrigo e permaneça barricado até a hora de partir e que, se possível, leve alguém consigo.

quarta-feira, 26 de março de 2008

A nível de artê (sic)

E tá aí uma discussão discutida por tantos há tanto tempo: o que é arte? Os mais prosaicos vão torcer os narizes e soltar categoricamente um foda-se. Os prolixos vão deixar os queixos caírem e de queixos caídos, com aquela voz embargada, sabe?, procurarão definir a coisa, começando por questões simples e limítrofes – moda é arte?, publicidade é arte?, coco é arte? Rola um quebra-pau e no fim sai todo mundo fazendo biquinho sem definir nada. Por sugestão um querido amigo, começo por um meio termo: tem importância?


Grosso modo, os argumentos que eu consigo lembrar: é uma questão pré-moderna, irrelevante, que cabe mais num contexto de mecenato, ou de status, e hoje você enfrenta uma situação onde qualquer coisa pode ser chamada de arte sem incorrer em grandes absurdos – as vanguardas e tal. Mas parece que não se vê isso em larga escala, a ponto do garoto-personagem-da-malhação poder bater no peito e dizer com orgulho: "sou um artista". Então a vulgata mia fino, silva com os olhos cheios de admiração frente à figura mitológica parada ali. Alguém se importa, e aí paira a sombra da minha preocupação em escrever sobre a coisa, porque o fato gera a importância, entende? As coisas ficam de cabeça pra baixo e de repente é isso, o cara é um artista (pior, é mesmo), e passa a ter o aval pra dizer bobagem com cara de sabe-tudo, fazer passeata de paz, salvar golfinhos, opinar na transposição do São Francisco e o escambau. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas é assim. Pensando bem, ando chutando cavalo morto.


Se tudo é arte, nada é arte. [Sartre chupa um limão nas minhas costas]


É engraçado, mas se você inverter a questão, a resposta continua a mesma (tanto para prosaicos como prolixos). Existe aí uma pá de questões que levadas ao limite chegam na indefinição total. Acho que é justamente por elas serem um bocadinho intuitivas, ou seja: você vai saber quando chegar a hora, meu filho. Ah, mas é patologicamente necessário estudar as coisas, dissecá-las só um pouquinho mais. Vale dizer que a gente atravessa aqui vários conceitos como bom gosto, senso estético, sensibilidade, pelo menos um pouco de erudição e umas boas discussões – só pra atualizar os parâmetros. Fiquei impressionado, dia desses, com o desenho de uma garota da terceira série. Era um concurso pras escolas públicas de Florianópolis do ensino fundamental, e a rapariga desenhou a Figueira com muita habilidade, combinando cores e enchendo de detalhes que meus olhos míopes nunca tinham alcançado. Uma artista mirim das boas. Ficou em segundo lugar porque uma tia gorda achou que um desenho da ponte era muito mais representativo a nível de (sic) cultura manézinha. Tudo muito torto, com umas montanhas que nem existem e umas cores "oh, gosh!", naïve no limite do ridículo. Era arte, e não era nada bonito. Eu daria o primeiro lugar pra figueira.

sábado, 1 de março de 2008

Se fué, se fué...

Seu Fidel, o Castrinho, "el coma andante", como é carinhosamente chamado por seus reféns mais ousados, se foi.
Marcou uma geração inteira como guerrilheiro que lutava, vejam bem, contra a ditadura de Fulgêncio Batista (1901 - 1973) e, suponho, pela liberdade ao lado de um assassino hippie e meio maluco que até hoje tem o rosto estampado em camisetas.

Formado em direito pela Universidade de Havana em 1950, casado com uma moça rica da elite cubana, acabou conhecendo a alta sociedade da ilha e se candidatando ao parlamento cubano. Já famoso por suas idéias nacionalistas e por defender a independência da ilha, viu suas planos desmoronarem quando Fulgênio assumiu o poder em 1952. Em 1953, Fidel organizou com seu irmão um ataque contra o quartel Moncada e deu início a revolução. Fracassou miseravelmente em sua primeira tentativa levando centenas de seus companheiros à morte. Talvez aqui Fidel tenha aprendido a relevar as vidas humanas. Fugiu para Sierra Maestra com alguns sobreviventes, mas logo foi preso pelas forças de Batista e julgado. Como Fidel escapou do fuzilamento não é claro. Aparentemente seu motorista se perdeu e Fidel não esteve presente na noite do ataque. O que confirma a fama sugerida, em entrevista concedida por um de seus conhecidos de não participar diretametne dos combates nem nunca ter pego uma arma em combate. Em seu julgamento, optou por fazer sua própria defesa. Sim, Fidel foi preso, julgado e sentenciado. Cumpriu 2 anos de sua pena de 15 anos e foi solto em uma anistia geral dada por Batista. Imagino que, já no poder e lembrando desses eventos, Fidel decidiu que não deveria perdoar rebeldes ou dissidentes de seu regime, visto que ele mesmo pôde fugir e se preparar para novos ataques revolucionários. Quando solto, foi para o México onde fundou o Movimento 26 de Julho, conheceu Che Guevara e decidiu reunir fundos de cubanos exilados nos E.U.A. para comprar armas e iniciar a guerrilha contra Batista. Depois de treinados por um veterano da guerra civil espanhola, voltaram para Cuba abordo do iate Granma. Já na chegada à ilha, a maioria dos guerrilheiros foi morta ou capturada pelas forças de Batista. Fracassados mas persistentes. Fidel, Raul, Che e outros fugiram mais uma vez para Sierra Maestra e após receber uma certa cobertura da mídia estadunidense, Fidel assinou o Manifesto de Sierra Maestra, em que afirmava que, após a derrubada de Batista, seriam convocadas eleições em menos de 18 meses.

Durante uma luta guerrilheira nos moldes tradicionais, Fidel e seu grupo pouco a pouco conquistaram espaço e, com a fuga de Batista, surgiu um governo provisório que logo também cairia. Em 25 de abril, Fidel Castro afirmava que era contra o comunismo, pois se opunha a todas as formas de ditadura. Após ver os E.U.A. negarem apoio, Fidel estabelece contato com Nikita Krushchev e passa a receber forte apoio material dos russos bem debaixo do nariz de Eisenhower. Mais de um milhão de cubanos fugiram para Miami, quando Fidel, em represália às políticas estadunidenses, nacionalizou grandes propriedades agrícolas. Depois da desastrada invasão da Baía dos Porcos orquestrada pela CIA, em que, semanas antes, aproximadamente dez mil cubanos foram mantidos presos em estádios de futebol sob suspeita de serem opositores ao regime, Fidel anunciou-se marxista-lenista e declarou que Cuba adotaria o regime comunista. A resposta americana: o embargo.

Como reação à instalação de mísseis americanos na Túrquia, Krushchev resolveu instalar mísseis R-12 Dvina, conhecidos pela OTAN como SS-4 Sandal, um míssil de médio alcance com capacidade para carregar armas nucleares, desencadeando a crise dos mísseis que paralisou de medo todas as nações.

O agora velho, o ditador Fidel ainda usa uniformes militares e o discurso revolucionário. Em nome de sua revolução, durante a primeira década do regime de Fidel, mais de 85 mil (87.o73) foram mortos, segundo a Truth Recovery Archive on Cuba. 5640 no esquadrão de fuzilamento, 1203 assassinados extra-judicialmente, 2199 morreram nas prisões (inclui-se aqui os torturados), 198 desaparecidos e mais de 75 mil balseiros. Isso significa que além dos 9240 mortos pelo Estado cubano, há mais setenta e tantas mil pessoas que julgaram que a melhor solução para os problemas de suas vidas seria se jogar no mar e NADAR até outro país. Esses números correspondem apenas aos casos documentados. Muitos cubanos não-revolucionários, em que se inclui homossexuais e outras minorias, foram presos sem julgamentos em Unidades Militares de Auxilio a Produção, o que não passa de um eufemismo para "campo de concentração com trabalhos forçados".

O revolucionário Fidel - apesar da fama de austero, enriqueceu durante seu domínio sobre a ilha e tem uma fortuna estimada em mais de meio bilhão de dólares - deixa o poder como ditador sem tempo de vida para cumprir a pena de prisão que merece por crimes contra a humanidade. Não há dúvida nem ambigüidade: Fidel entra para a história ao lado de criminosos como Stálin, Pol Pot, Idi Amin, Hitler, Fulgêncio Batista, Franco, Fujimori, Ho Chi Minh, Mussolini e todos aqueles que fizeram do assssinato uma ferramenta contra a liberdade. A marca que Fidel deixa é a de um ditador duro, sangüinário, responsável por mais de 85 mil mortes, pelo aprisionamento da ilha e pelo fim das liberdades do povo cubano.